"Tantas pessoas que escrevem e tão poucas que lêem!"

André Gide - Novelista e crítico francês [ilustração de jack sk, aqui]





Não é irónico que seja uma empresa chamada ASA, a cortar as ditas cujas à empresa do prazer de viajar bem? [fonte: aqui]



À melhor resposta, ofereço um café









É preciso falar também quando algo de (muito) bom acontece. E neste caso, é preciso falar da campanha que está a decorrer a nível nacional para a troca de lâmpadas tradicionais por lâmpadas economizadoras. Hoje, na cidade do Mindelo, em plena rua de Lisboa, qualquer cidadão que levar uma lâmpada, em troca é-lhe ofertada uma economizadora, que no mercado custa entre 300 a 400 escudos. E de graça. Uma boa medida do Ministério da Economia. Na minha casa já não se usa outra coisa.

Lembrar ainda que, mesmo sendo mais caras, feita as contas, o custo total de uma lâmpada economizadora é mais barata porque consome menos energia e dura muito mais tempo do que a lâmpada incandescente. Estas lâmpadas encaixam nos mesmos candeeiros que as mais antigas, por isso não é necessário de comprar novos candeeiros ou adaptadores para poder beneficiar das reduções dos custos energéticos.

A grande vantagem das lâmpadas economizadoras é a duração total de horas que conseguem iluminar, sem se estragarem. Os valores podem ultrapassar as 10 mil horas, o que corresponde a mais de 5 anos de utilização média. Além disso, estas lâmpadas têm uma eficiência energética A ou B, o que faz delas muito mais amigas do ambiente.

E vocês, já trocaram as vossas lâmpadas?

P.S. Ter recebido uma conta monumental da Electra, também ajudou a que tomasse uma atitude, tenho que admitir!











@ Fotografias de Pedro Moita


Comentário Cafeano: pelo que se pode ler nos blogues, o concerto de Paulino Vieira motivou sentimentos contraditórios. Houve quem não gostasse do facto de ter tido conversa a mais e música de menos. Houve referências a vassouras e números de circo. A um público divertido e a jogadas de marketing. Referência a uma orquestra de grandes executantes e à ausência de uma viola de 12 cordas. É bom que haja opiniões divergentes. Mas eu, que não estive lá e portanto só opino porque sou um grande atrevido, declaro: atenção que Paulino não é apenas e só um músico genial. Paulino é um filófoso, um poeta, um contador de histórias. É herança e é memória. E tendo em conta a dimensão da pessoa em causa parece-me que não há nada a lamentar, muito menos a perdoar. Aprender. Aprender com os grandes. Aprender com os excessos dos grandes. Aprender sempre. Abençoado o país que gera criaturas como esta. E mais não digo.





Não sou um anti-tabagista radical, carregado de intolerância, daqueles que vê em cada fumador um terrorista, o culpado de todos os males do Universo e arredores. Fui fumador durante cerca de 25 anos. Na madrugada de 31 de Junho para 01 de Julho de 2008, há precisamente 16 meses, 28 dias, 14 horas e 18 minutos tomei a decisão - não programada anteriormente - de nunca mais tocar num cigarro na vida, pelo menos com intenção de fumá-lo.

Desde essa data é o que se sabe: a qualidade de vida aumenta exponencialmente, o sono melhora, os alimentos adquirem outro sabor, os beijos dados e recebidos são dados e recebidos de forma mais ávida, a respiração adquire outra tranquilidade, a sensibilidade aos cheiros (incluindo o cheiro do cigarro) torna-se poderosa, pelo menos comparando com o que era antes. Também sabemos que há centenas de livros e milhares de sites na Internet de auto-ajuda sobre como deixar de fumar, mas isso de pouco adianta. A única coisa que conta somos nós próprios. Não acredito em terapias, hipnoses, sêlos e pastilhas de nicotina se a acompanhar não houver uma vontade férrea, pessoal e intransmissível, de parar.

Já havia parado de fumar outras vezes, mas nunca tinha deixado de fumar, numa decisão encarada como definitiva. Na gravidez das minhas duas filhas e durante os seus primeiros meses de vida não fumei, assim como nunca mais fumei dentro da minha casa desde o dia em que me tornei progenitor. O retomar do vício foi, então, assumido como algo natural: como com um casal que "dá um tempo" e depois volta ao salutar (que não saudável) convívio, porque estão convencidos que foram feitos um para o outro. Mas desta vez não. Assinei a carta do divórcio sem retorno. Consegui a minha carta de alforria.

Num site que visito bastante - ver aqui - e que tem apenas uma página, podemos calcular facilmente os ganhos de ter parado de fumar a partir do cálculo dos dias em que nos mantivemos longe do vício. E os resultados podem ser surpreendentes e animadores. Ficamos a saber o dinheiro que se poupou, o tempo de vida que se ganhou, que o risco de ter um ataque cardíaco fulminante é metade do que era há uma ano atrás, por exemplo, entre outras informações interessantes. E dizer que escrevo este post, nesta altura do campeonato, porque a minha filha Laura, de 12 anos, me lembrou ontem: "pai, vai fazer 17 meses que não fumas. Parabéns." A minha filha Laura quer ser médica e eu gosto muito dela.

Imagem: "The Smoke" de Lucas Zoltows





Não sou crítico musical, mas desde já vos digo: Hernany Almeida é um fora-de-série. Desses que aparecem um a cada geração para marcar a passagem do tempo. Não vou esmiuçar o concerto que deu ontem na Marina do Mindelo, mas apenas dizer que entre todos os magníficos momentos proporcionados, a homenagem que prestou a Biús e a respectiva interpretação (e leitura musical) que fez de um dos seus temas mais populares, foi algo digno dos Deuses mais exigentes e que certamente terá dado muita alegria ao homenageado, seja lá onde for que ele estiver hoje. Da minha parte, caíram-me lágrimas no rosto, mas isso não quer dizer nada, já que sou um piegas militante. Obrigado, Hernany.


Foto gentilmente cedida por Helder Lopes






"A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda."

Mário Quintana






Desfocada, mas presente...







Febre de Sábado à noite. Todo o cerimonial tem que ser bem preparado, não é algo que se possa desprezar ou minimizar, é como ir à missa aos Domingos. Sim, no fundo, isto é uma espécie de missa, tem os preliminares encontros à porta da igreja, o reconhecimento do terreno, as piscadelas inocentes e as trocas de olhares aparentemente ocasionais, vidas futuras que se desenham por entre sombras e arrepios, a eucaristia propriamente dita, música, bolachas de água e sal com vinho acompanhar, todo um colectivo celebrando o sofrimento de um terceiro que deu a vida pelos pecadores do universo. Febre de Sábado à noite. Escolher bem a roupa, a primeira fase é fundamental para o sucesso do resto da noite. A noite dos vampiros, dos chupadores de sangue, dinheiro e esperma. A noite dos fluídos. Dos cheiros. Sim, não abuses do perfume, na medida certa, as mulheres hoje não apreciam homens a cheirar a cavalo, mas também não é preciso tomar banho em colónias baratas, o mais certo é ficarmos tipo loja de chinês ambulante, fazendo grogue na Praça Nova. Febre de Sábado à noite. Sim, tudo na medida certa. Tecidos, líquidos, percings e tatuagens. Finalmente, colocar a render as horas de sofrimento passadas nos salões de beleza, autênticas câmaras de tortura da modernidade. Preliminares encontros, reconhecimento de terreno, troca de olhares mais ou menos inocentes, vidas futuras que se adivinham por entre cheiro de marijuana e passos perdidos no cimento, seduções, repelentes vários, a dança propriamente dita, todo um colectivo celebrando a arte do esfreganço ou da passada conforme a ocasião e a oportunidade, todo um colectivo celebrando o sofrimento daqueles que não podem querer. No Sábado à noite na cidade do Mindelo celebra-se, sim, é isso mesmo, a eucaristia dos vampiros. O sangue, também aqui, presente no momento mais alto da cerimónia.




Porque é que as mulheres que casam por estarem convencidas que encontraram o homem ideal mesmo assim não param de tentar mudá-lo, sabendo-se que acaba sempre por ser pior a emenda que o soneto?



À melhor resposta, ofereço um café









"Vivemos a mais despida das épocas. A nudez feminina perdeu todo o suspense e todo o mistério."

Nelson Rodrigues - escritor e dramaturgo brasileiro


[Na imagem, a actriz Darren Keith]










Melody Gardot, cantando Worrisome Heart. Aqui fica uma das belas vozes femininas do jazz que se vem fazendo hoje por esse mundo fora. Um nome para fixar, porque o talento é muito. Estilo e swing é o que não falta nesta jovem senhora.






"Vieram buscá-lo ao amanhecer. A luz clara e dura bateu contra seu rosto enquanto a mulher se debruçava na janela para vê-lo ir embora. Olhou quase com ódio para a mulher saciada depois daquela noite que suspeitavam a última. Mas ao ódio sucedeu a compreensão: ela não podia fazer nada. Entendendo que ela nada pudesse fazer além de olhá-lo desaparecer no fim da rua, sorriu e disse:

— Eu não vou voltar.
— Nunca mais? — perguntou a mulher.
— Nunca mais.

Ele sacudiu a cabeça repetidas vezes, irremediável. Não, nunca mais. Julgou ver um movimento qualquer de desamparo no canto da boca da mulher e novamente sorriu. Mas ela se manteve imóvel até que os guardas irritados o empurrassem com a ponta das espingardas. Ele sacudiu os ombros e saiu andando. A mulher ficou na janela observando as silhuetas que um sol recém- nascido espichava no calçamento de pedras irregulares. Depois fechou devagar os postigos, sentou-se na sala escurecida e sem compreender começou a chorar.

Mas ele voltou, um mês depois. Magro, cansado, faminto. Veio devagar pela mesma rua em que se fora, na mesma hora — e desta vez pisava a própria sombra, sem raiva, apenas voltando."


Caio Fernando Abreu in A Modificação





Os méritos e deméritos do Ensino Superior

1. A entrevista que Corsino Tolentino deu na última edição do jornal A Nação é arrasadora. A todos os níveis. A visão crítica do professor e investigador cabo-verdiano é transversal a praticamente todos os sectores relacionados com o ensino superior do país, desde a actuação do Governo no sector, passando pela referência à "falta de autonomia intelectual" (utilizou este termo por várias vezes) dos actuais responsáveis públicos pela área, arrasando a qualidade do ensino público e privado, e lamentando a falta de apoio e da aposta na investigação.

2. Numa das frases mais marcantes da entrevista, afirma Tolentino que hoje "não existe uma política de Investigação em Cabo Verde” afirmando ainda que “a principal missão das instituições de Ensino Superior tem sido a ocupação temporária de uma fracção cada ano mais importante da juventude cabo-verdiana”, para rematar que faltam critérios de rigor no sector. Ou seja, as universidades tem servido mais para "ocupar o tempo dos jovens" e dessa forma disfarçar indices de desemprego e desocupação que, de outra forma, seriam ainda maiores do que são hoje.

3. Devo dizer que concordo com muito do que ele diz nessa entrevista e algumas dessas questões já foram levantadas neste blogue. E concordo também quando ele refere que a sua visão crítica não deve ser entendida como um ataque pessoal a ninguém (embora por vezes pareça), mas antes um contributo para um debate sério e descomplexado sobre uma temática que é, todos o sabemos, absolutamente decisiva para o futuro desenvolvimento deste país.

4. Não tenho qualquer problema em admitir, dentro da realidade que conheço pessoalmente, que a qualidade do ensino que se pratica nas nossas universidades é (ainda) muito precária; que há muitos alunos que estão numa instituição do ensino superior com a mesma postura preguiçosa e facilitista que provavelmente tiveram nos liceus por onde passaram; que há falta de rigor, método, condições de trabalho e uma tendência evidente para fazer deste ramo uma espécie de galinha dos ovos de ouro a explorar até ao tutano, independente dos critérios de validação dos cursos e das escolas, entre muitas outras questões que se podem apontar.

5. Bem podem as entidades estatais afirmar que a lei tem sido cumprida e que esta é rigorosa, que continuo conhecendo ditas universidades que tem professores pouquissimo qualificados para dar aulas a este nível; que continuo a ter conhecimento de instalações precárias e inadequadas; que continuam a contar-me da dificuldade que representa estudar-se numa universidade que não tem, sequer, uma biblioteca própria, que fará agora laboratórios ou salas de informática.

6. Mesmo assim há que pensar onde estamos hoje e onde estávamos há algum tempo atrás. As coisas levam o seu tempo, não se monta uma universidade pública de um dia para o outro. Erros foram e serão cometidos, certamente, mas há que dar o crédito a quem tem dado o seu melhor para a edificação de um ensino público de qualidade. Há que admitir que nem tudo é mau, que há muito boa gente, preparada, bem intencionada, com espírito de missão, a contribuir para a construção deste edifício civilizacional.

7. Há pouco mais de cinco anos atrás a grande maioria dos jovens cabo-verdianos chegavam ao final do liceu e tinham apenas duas hipóteses: parar de estudar ou ir para o estrangeiro. Hoje, o panorama é completamente diferente e um autêntico vendaval universitário tomou conta do país. Para se ter uma ideia, a ilha de S. Vicente, com os seus parcos 75 mil habitantes, tem nada mais nada menos do que 7 universidades distintas, entre públicas e privadas (contas feitas por defeito). É obra!

8. O próprio Corsino Tolentino referia, numa entrevista que deu em Agosto deste ano ao blogue Palavras Criativas que "a Universidade Pública de Cabo Verde já é uma realidade jurídica mas ainda é apenas um projecto pedagógico, científico e cultural. Necessita de visão, tempo e recursos, sobretudo humanos. Afirmo-o sabendo que posso desagradar: Cabo Verde ainda não tem uma universidade a sério, mas está reunindo condições para a ter, talvez daqui a uma década." (fonte: aqui).

9. Sendo a Universidade Pública de Cabo Verde (ainda) um projecto pedagógico, científico e cultural ainda em construção, como afirma o professor, há que admitir que está no terreno e hoje é uma realidade. Não o era há três anos atrás. Que esta Universidade Pública necessita de "visão, tempo e recursos", será questionável apenas a componente da "visão" (não é obrigatório que todos tenham uma visão semelhante), mas de tempo e recursos, certamente precisa, porque a excelência custa dinheiro. O prazo de 10 anos para se montar uma universidade pública de qualidade parece-me, pois, perfeitamente aceitável e deve lisongear quem está hoje à frente do processo.

10. Há trabalho feito. Há caminho percorrido. Há vontades mobilizadoras conquistadas. Há também muito por fazer e melhorar. Pricipalmente na vertente da regulação e inspecção dos institutos e pólos universitários que nascem como cogumelos. Por isso mesmo, todos somos poucos para dar a nossa contribuição, incluindo aqui, como é lógico, a visão crítica e a caracterização negra que sobressai do discurso de Corsino Tolentino que, com a sua experiência e conhecimento, certamente não deixará de dar o seu contributo para colmatar muitos dos aspectos que tão veementemente criticou.

11. Fundamental é remarmos para o mesmo lado e não deixar que a edificação do ensino público cabo-verdiano se transforme numa espécie de feira das vaidades onde todos saem chamuscados, poucos se salvam e o principal derrotado seria, em suma, o próprio projecto que se pretende com raizes fortes e com qualidade tal que transforme a universidade cabo-verdiana num espaço imune a quem coloque as ambições pessoais acima do interesse colectivo.


Mindelo, 27 de Novembro de 2009








Concerto com Hernany Almeida.

Quando: dia 28 de Novembro / 21:30 horas
Onde: Marina do Mindelo (entrada livre)






"Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera. A pele velha tem que cair para que uma nova possa nascer."

Joseph Campbell - Mitólogo norte-americano





Andou por aqui um cibernauta a escrever em praticamente todos os blogues, acusando o pessoal de querer passar um pano sobre um acontecimento aparentemente extraordinário de um deputado ter ameaçado um outro de uma cadeirada, em plena Assembleia Nacional.

Devo dizer que o episódio não só não me espantou como não me pareceu digno de merecer um post próprio, porque este caso foi apenas mais uma demonstração do nível de debate médio que os sujeitos parlamentares nos vem habituando desde há algum tempo.

Em relação a isso já estou como um cibernauta que comentou este caso num outro blogue: ao menos que se fizesse a cadeira vooar e se assumisse a batatada a sério, como gente grande, seguindo o exemplo daqueles parlamentos asiáticos que de vez em quando nos aparecem nas televisões. Ali, pelo menos, chega-se a vias de facto e depois, trabalha-se a sério. Quem sabe, com o desenvolvimento da modalidade, a pancadaria parlamentar não se tornaria modalidade olímpica e assim sempre teríamos algumas possibilidade de ganhar alguma medalha na maior competição desportiva do mundo.

Mas não. Como habitualmente, depois do caso, terá terminado tudo em palmadinhas nas costas e copos de uisqui nos bares intra e extra parlamento, até porque como qualquer guerreiro, também os nossos deputados têm direito aos seus momentos de trégua e confraternização, depois de mais uma árdua batalha. Mesmo que esta seja menos batalha do que parece querer à primeira vista. Entenderam? Eu também não, mas o caso nem merece o esforço.






Há imagens fantásticas e esta é uma delas, com Paulino Vieira a cumprimentar o menino Noah Andrade que tem feito furor no meio musical crioulo. O maior génio da música de Cabo Verde vai dar um concerto único na capital, no próximo Sábado, no Auditório (dito) Nacional. Ficam já avisados.

Fotografia de Jo Andrade, sacada daqui. Ao respectivo, os meus agradecimentos.






Hoje, 25 de Novembro, comemora-se o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher. Hoje é, pois, o dia ideal para lembrar que em Cabo Verde mulheres continuam a ser espancadas, violentadas, física e psicologicamente torturadas e mesmo assassinadas, com a complacência de muitos que lhes são mais ou menos próximos, sejam eles familiares, vizinhos, amigos, conhecidos, forças de segurança ou entidades públicas e privadas. Hoje é, pois, o dia ideal para lembrar que, ao contrário do que diz o ditado popular, entre marido e mulher, se deve meter a colher sim. Denunciando situações domésticas que indiciem qualquer tipo de violência; chamando a polícia quando se presencia na rua a algum homem ou jovem rapaz a bater na mulher ou na namorada; intervindo directamente se dessa atitude depender a salvação da mulher de um espancamento sumário.

Não sejamos ingénuos: a maior parte dos crimes ocorridos neste país em que violência é usada por seres humanos contra outros seres humanos, ocorre dentro das casas, dos lares que de doce tem muito pouco e entre pessoas que se conhecem muito bem. Quando não é com mulheres, é com crianças. E quando essas crianças são do sexo feminino, a tendência é para ser ainda pior, porque não há semana que passe em que não se ouça ou leia na comunicação social de algum caso de violação, em forma tentada ou consumada, de uma menor por um familiar seu, muitas vezes o próprio pai.

Tolerância zero para com este tipo de crimes, meus caros. Não há outro caminho. Não há outra forma de luta. E essa tolerância zero passa muito por nós, homens, mas também pela educação dos nossos filhos, que devem aprender, por exemplo, que não é motivo de orgulho o menino vir para casa dizer que tem "várias namoradas", para regozijo dos pais que acham que isso é "muito macho". São mensagens como estas que geram, posteriormente, comportamentos sociais que conferem ao homem justificações de índole social, cultural e até antropológicas para sustentar atitudes de violência contra as mulheres.

Nunca é demais dizê-lo: pela parte que me toca, não violentarei, não usarei de nenhum tipo de violência contra mulheres e crianças e, fundamentalmente, não calarei e não deixarei de lutar contra o que considero ser uma das mais hediondas formas de violência humana. Um filme dizia "este país não é para velhos". A mim apetece-me dizer "este país não é [não devia ser!] para cobardes mentecaptos que batem nas mulheres."







Volta esta rúbrica das 4ªs feiras do Café Margoso, partilhando descobertas que vamos fazendo por este mundo fascinante dos blogues. No meio de muita estrada que passamos sem parar, de quando em quando nos deparamos com algo que nos faz querer parar e ficar, até estarmos certos que o guardamos na memória, para que seja possível voltar. Seja um jardim, uma paisagem, uma montanha ou um rio que passa. É o caso deste blogue que, sem aviso, fez passar por mim uma leve brisa, como quem não quer a coisa, de tão bem feito que é. A visitar, sem hesitação. Aqui.




A editora da Vogue Russa, Aliona Doletskaya, ao celebrar o 10º aniversário da revista, desafiou artistas russos para criarem 31 Matryoshkas, essas simpáticas bonecas tradicionais russas, estilizadas e exclusivas, representando os mais famosos estilistas da história da moda, pintadas à mão. Ah, cada uma destas bonecas exclusivas custa a módica quantia de 5.000 euros. Aqui se mostram alguns exemplos. Quem dá mais?


Georgio Armani



Ralph Lauren



Versace



Yves Saint Laurent



Nina Doris



Via: aqui





As chamadas que fazemos para um telemóvel de mulher, que por azar está dentro da sua bolsa, acabam invariavelmente por ir parar à caixa do correio ou eu é que sou um tipo muito azarado?



À melhor resposta, ofereço um café











"A selecção não precisa do Scolari para nada, mas precisa dos jogadores do FCP como de pão para a boca."

Badgirl, a propósito da dupla vitória de Portugal sobre a Bósnia (fonte: aqui)








Hoje acordei assim...




[música de... vejam lá se gostam]






O meu país está invadido por um estranho fenómeno metereológico mas que, ao que parece, está a ter repercussão em muitos outros sectores da actividade do arquipélago. "Cabo Verde está sob influência de um fluxo anticiclónico zonal que favorece o transporte de poeira espessa, proveniente da costa da Mauritânia. É a chamada bruma seca.", pode-se ler num jornal online. Mas logo de seguida fazemos a nossa volta diária pela imprensa e blogues nacionais e ficamos com aquela sensação de que a bruma seca invadiu tudo e todos porque o que se deveria ver não se vê e muito do que parece não é. Um caleidoscópio de miragens. Uma imagem que, em termos poéticos, até pode ser interessante, mas que na realidade real confunde quem anda por aqui.

O aeroporto internacional de S. Pedro já é internacional, mas ainda não é. Faltam não sei quantos testes, parece que vai haver um "último e decisivo" por estes dias e ai sim, poderemos fazer a festa, lançar os foguetes, apanhar as canas e dizer alto e bom som "Aleluia!"... Embora já se garanta que antes de 2010, voos directos entre S. Vicente e Lisboa nem pensar. Por causa... da bruma seca, certamente. O parlamento continua a fazer claras demonstrações do seu nível geral na discussão do orçamento para o próximo ano e para além de algumas das intervenções em particular, a roçar o indigno de uma casa parlamentar, voltamos a acordar para a nossa triste realidade: para os da oposição, tudo mal; para os da situação, tudo bem; a UCID, como sempre, na expectativa. Por causa... da bruma seca, certamente. A epidemia do dengue está dominada, hip hip hurra, mas ao que parece o pessoal de saúde de S. Vicente está aflito porque não tem sequer meios de diagnóstico para entender o que se passa, meios esses que ainda não chegaram certamente por causa da... bruma seca.

Depois, a um nível mais micro, este fenómeno, que provoca em simultâneo cegueira e turbulência, nos dá um nó no coração, fica mais penoso respirar, a paisagem fica agreste, o monte cara mais tímido, os escapes dos automóveis mais barulhentos, a nossa paciência mais curta. Maldita poeira da Mauritânia! Voos são cancelados, medidas importantes são adiadas, discursos que marquem pela diferença não se materializam e nós, aqui, que temos que escrever algo sobre o que se passa à nossa volta (e não se passando nada), ficamos com uma névoa a invadir o cérebro, desejosos que venha um vento forte que leve esta poeira para outras margens e nos faça ver o mar e as montanhas de Santo Antão, ali, do outro lado.




Que legenda para esta imagem?

À melhor legenda ofereço um café

[Fonte: Jumento]





Paixão Cega

Certa vez, nessa alucinada realidade, ele encontrou uma mulher de mil belezas.

Quando a aparecida lhe tocou no braço e ele a fitou, um frio o golpeou: a moça não tinha olhos. No lugar das órbitras, o que se vislumbrava eram dois vazios, dois poços sem paredes nem fundo.

- O que aconteceu com seus olhos? - tremeluziram-lhe as palavras.
- O que têm os meus olhos?
- Bom, não os vejo.

Ela sorriu, espantada com o embaraço dele. Que ele devia estar nervoso, incapaz de acertar as visões.

- Os olhos de quem se ama nunca se vêem.
- Entendo - afirmou Ntunzi, recuando às mil cautelas.
- Tens medo de mim, Ntunzito?

Mais um passo atrás e Ntunzi se desamparou num abismo e ainda hoje ele está tombando, tombando, tombando. Para o meu irmão o ensinamento era claro. A cegueira é o destino de quem se deixa tomar de assalto pela paixão: deixamos de ver quem amamos. Em vez disso, o apaixonado fita o abismo de si mesmo.

- Mulheres são como as ilhas: sempre longe, mas ofuscando todo o mar em redor.


Mia Couto in "Antes de nascer o mundo"






Acabei de ler na A Semana online:

"No âmbito das suas competências, aquela comissão realizou com a ajuda das Forças Armadas a desinfestação em quase todas as ilhas de Cabo Verde, sobretudo naquelas onde o número de casos de dengue se mostraram mais fortes. Hoje, na ilha da Boa Vista, está prevista uma acção de terreno nos focos já localizados. Artur Correia acredita, inclusive, que foi graças a esse tipo de acção de terreno, reforçado com campanhas de limpeza, que a dengue foi praticamente dominada."

Não é um bocadinho cedo para se fazer uma afirmação como esta? Isto não poderá fazer, ainda, com que se "baixe a guarda" e se volte a cometer os mesmos erros de sempre? Em que consiste, em termos concretos, "dominar" um surto epidérmico? Se, de facto, Cabo Verde conseguiu essa proeza fantástica de erradicar uma epidemia com esta rapidez e competência, que se importe, de imediato, toda o nosso pioneirismo crioulo nesta matéria para outros locais do planeta, onde uma situação como esta demora anos - gerações - a resolver. A humanidade agradece.

Notícia completa: aqui







Está quase...

Chegar é muito bom, mas será que é mesmo o melhor de cada viagem? E quem tem o Mundo como sua casa?






Primeiras frases:

"A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos e me surpreendi subitamente tão desarmado que desabei em lágrimas."

Mia Couto em Antes de Nascer o Mundo (versão brasileira de Jesusalém)


Nota Cafeana: as primeiras frases de um romance são como a primeira vez em que se faz amor: marcantes e decisivas. Desde "Amor em Tempos de Cólera" que isso é muito claro para mim. Aqui, com o pretexto de falar e escrever sobre livros, inaugura-se uma nova rubrica do Café Margoso, com primeiras frases dos romances que vou lendo na estrada da vida. Boa viagem.




"Todo o silêncio é música em estado de gravidez"

Mia Couto - escritor moçambicano






Os Equívocos da Critica

1. Queixamo-nos muitas vezes da falta que faz a Cabo Verde o que designamos de “espírito crítico”, que pode ser definido, grosso modo, como a capacidade – ou a coragem – para fazer determinada análise sustentada, que seja suficientemente elaborada, de forma a conseguir ser acompanhada ou não de um determinado juízo de valor, que pode ser positivo ou negativo. No campo artístico o vazio absoluto deixado pela falta de uma corrente crítica que pudesse ser uma espécie de barómetro da criação artística nacional nas suas diversas vertentes, é ainda mais patente. A verdade dos factos aqui é uma e apenas uma: não há uma tradição crítica no país, seja no campo político, social ou, principalmente, na área artística, e isto considerando qualquer uma das suas componentes (literatura, teatro, música, dança, artes plásticas ou multimédia). O primeiro grande equívoco da Critica (que inexiste) é precisamente pensar-se que ela tem terreno para germinar no nosso país e que só não está mais presente por alguma razão misteriosa que ninguém no seu perfeito juízo é capaz de revelar ao comum dos mortais.

2. A razão de ser, ou a principal razão de ser, se quisermos, será o facto de sermos um país de primos e enteados, onde toda a gente se conhece e onde não nos é permitido ter um distanciamento pessoal entre quem pretende criticar algum objecto artístico e o autor dessa mesma criação. E mesmo no caso de haver esse distanciamento, continuamos com uma mentalidade que produz um pensamento retrógrado e preconceituoso que considera que quem tem a capacidade de pensar pela sua própria cabeça construindo um discurso coerente e minimamente amparado é, antes e acima de tudo, um atrevido arrogante que tem a mania que é mais esperto que tud gent. Cá está o segundo grande equívoco da Crítica cabo-verdiana (que é uma ilusão): quem escreve alguma crítica fá-lo porque tem “manias” de superioridade.

3. Aqui chegados vamos para um dos pontos mais consensuais desta problemática no país e que resume o terceiro grande equívoco da Crítica crioula (um vazio ansiando por ser preenchido): quem escreve algum tipo de análise critica – principalmente no campo artístico – é porque tem alguma motivação escusa, tão pessoal e intransmissível quanto o seu DNA, que não passa, nem de perto nem de longe, pela análise do objecto artístico em causa, mas sim por alguma não assumida motivação de índole umbiguista. Ou seja, e por outras palavras, quem critica fazendo uma avaliação negativa do objecto artístico analisado é porque é um tipo ressabiado cheio de invejas e que está em pleno processo de vingança implacável; e se a avaliação é positiva, então na melhor das hipóteses, é porque é na certa compadre, primo, amigo do namorado, o pai do artista é vizinho da mãe do crítico, sendo mais do que certo que haverá alguma razão que possa justificar a redacção de um texto elogioso daqueles, porque ninguém dá nada a ninguém se não houver compadrios ou algum favor a pagar em troca, do passado, presente ou do futuro, considerando os juros de mora e outras regalias anteriormente negociadas.

4. E daqui se identifica o quarto grande equívoco da Crítica cabo-verdiana (que nunca nasceu, até ver), aqui mais de natureza etimológica do que social: aquela ideia peregrina de que “criticar” significa, em poucas palavras e em linguagem mais popular, “falar ou dizer mal de”. Por isso o termo muito em voga de “crítica construtiva”, que só passa incólume pelo desconhecimento do real significado do termo. Nada mais errado e agora aproveito esta oportunidade que ninguém me pode ver a consultar o Google ou o Wikipédia, para informar que a palavra “crítica” é originária do grego e da palavra “krimein” que significa “quebrar”, tendo de igual forma influenciado a formação da palavra “crise” (o que é uma perspectiva interessante). Diz jornalista Arthur Nestrovski que “a ideia da crítica é quebrar uma obra em pedaços para se por em crise a ideia que antes se fazia daquele objecto, através de uma análise,” Para tanto, defende, é necessário entender as partes do objecto que será analisado para justamente descrevê-lo e, a partir daí, fazer uma interpretação, ou uma releitura se quisermos, de acordo com o contexto em que se encaixa o artista, o seu percurso, a sua obra e o âmbito concreto da sua apresentação ao público.

5. Daqui se arranca a grande velocidade para o quinto grande equívoco da Crítica cabo-verdiana (uma espécie de buraco negro): que criticar é dar uma “opinião”, mesmo que consideremos que ela possa ser positiva ou negativa. Até em países muito mais evoluídos neste âmbito, com tradição de décadas de publicação de críticas nos mais diversos domínios, esta é uma realidade patente: a maior parte dos textos publicados acabam por ser meramente opinativos, uns mais bem sustentados do que outros. Além de que, em certos países, a critica tem um poder não negligenciável no sucesso ou fracasso de um espectáculo, pelo que os critérios de escolha sobre quem escreve, o que se escreve e onde isso é publicado, acaba por ser muito mais redigido por critérios comerciais do que propriamente artísticos. Quer dizer, o crítico pode dar a sua opinião, mas não é este o principal objectivo deste género de intervenção. Aquele passa, em primeiro lugar, por diversas vertentes a considerar: a crítica tem uma função informativa, pedagógica, reflexiva, testemunhal e dialogante, fazendo uma ponte entre a obra de arte e o seu público. Muito mais do que uma opinião, portanto.

6. Chegados a este ponto é fácil entender porque é que em Cabo Verde a tradição crítica nunca foi alimentada, nunca encontrou terreno para germinar e muito menos foi feito algum esforço para que a esta tivesse sido dada alguma oportunidade para sequer existir. Porque para criticar é preciso preparo. E a diversos níveis. E não há aqui qualquer arrogância, é claro como água: a crítica escrita relativa a uma obra de arte – seja um livro, um disco, uma peça de teatro, um concerto ou uma exposição – é um género literário e como tal só quem sabe escrever e tem um completo domínio da língua se pode dar ao luxo de arriscar numa empreitada como esta. Depois porque criticar uma obra de arte exige estudo e conhecimento: sobre a Arte e a sua história, no sentido mais lato, e sobre o artista, o tipo de estética com o qual este pode ser identificado, o seu currículo e o entendimento do seu percurso, para além de uma análise descritiva do próprio objecto de arte em causa, o que exige um domínio do vocabulário próprio do tipo de expressão artística que se está a analisar.

7. Pois é, criticar não é para qualquer um. Um aborrecimento, em suma. Dá trabalho, muito trabalho. Além de que, quem escreve uma crítica está a escrever algo que vai ser lido, ou seja, tem um alvo, um destinatário muito claro: o público a quem a obra de arte se destina à partida, seja o previsto inicialmente, o potencial ou aquele que resolve comprar o livro, o disco ou o bilhete da peça, porque leu um texto sobre a obra que lhe incutiu o desejo de fazer, em si mesmo, o investimento de aquisição e/ou de fruição da obra de arte. Quer isto dizer, como muito bem sustentou Luiz Camilo Osório, na sua obra “As Razões da Crítica”, “a crítica é escrita para o público, mas está ao serviço da arte.“ Há pouco abrimos um pouco este véu, quando dissemos que a crítica implica uma quase desfragmentação que obrigará, necessariamente, a uma reflexão, não apenas do público, mas também do próprio artista, quando confrontado com um olhar de fora imbuído de isenção, equilíbrio e conhecimento – os três principais requisitos para a escrita de uma boa crítica de arte.

8. O espírito crítico implica, portanto, que haja capacidade de registo, de transmissão de conhecimentos, de análise que estimule o público e o artista a uma reacção. A crítica é activa, nunca é passiva. Provoca a “crise” e só se responde a uma crise com energia, inteligência e capacidade para encontrar outros caminhos ou respostas outras que sustentem o percurso que se fez naquele preciso momento. Sem clichés, preconceitos ou arreigados nos hábitos que epidermicamente a televisão e a sociedade de consumo liberal e capitalista vai impregnando à maioria da população mundial, que está cada vez mais se comportando como um rebanho de robôs que segue para o mesmo caminho da maioria, tal como acontece por aqui quando toda a gente vai para o mesmo bar, só porque “está na moda.” Mas isso já é outra conversa, a das modas, que dará, certamente, para uma futura conversa de café.

9. Daqui se entende, por fim, porque nunca tivemos (e dificilmente teremos) no arquipélago num futuro próximo não apenas um espírito crítico aguçado e pronto para servir o desenvolvimento do todo social e cultural, como pessoas preparadas e com vontade de cumprir essa função de escrever e dar a cara por uma actividade que tem tanto de espírito de missão como de pedras no caminho. Por isso o crítico tem que ter uma paixão e um amor pelo seu objecto de estudo, assim como ter a inteligência de, como escreveu Fernando Pessoa, construir o seu castelo com as pedras que for encontrando ao longo do seu trajecto.

Crato (Ceará), 20 de Novembro de 2009






Akira Kurosawa, o realizador japonês, disse: "um homem é um génio quando está sonhando." Eu, quando sonho com um jantar a dois (sou modesto, não vou mais longe nos meus devaneios) com Scarlett (por exemplo), onde no final ela canta só para mim, enquanto come uns morangos com chantilly (fazendo lembrar a não menos bela Nastassja Kinski, no filme Tess, naquela que é a mais sensual mordidura de morango da história do cinema), o clássico Sumerttime, tenho uma tendência bem idiota de me auto-considerar um génio. Manias...







Três bons novos locais, que valem um anúncio e um post próprio:


1. O novo espaço do músico cabo-verdiano Hernani Almeida. Bem feito, limpo, prático e que nos dá ainda a possibilidade de ouvir um pouco da música do seu último (e até agora único) trabalho discográfico. Vale a pena uma visita, aqui.




2. O espaço do artista plástico cabo-verdiano Alex da Silva também tem um espaço próprio na Internet. Como é habitual nele, está muito bem produzido, com um excelente design e dá-nos a possibilidade de conhecer algumas das suas obras. A visitar também, aqui.




3. E por falar em Alex da Silva, a bela galeria café que ele abriu recentemente no Mindelo, a Zero Point Art, e que vale bem uma visita - é lá, por exemplo, que se encontra a última exposição de Manuel Figueira - tem também o seu espaço de divulgação online, aqui.









"Foi tudo culpa do amor", noticia o jornal que relata esta história fascinante (e verídica). Boatos correm como vento trazido pela marezia por um dos bairros de Fortaleza, porque alguém anda a escrever declarações de amor no asfalto de uma das mais movimentadas avenidas da cidade. Sem conversa, sem explicação, um homem (dizem) pintou o asfalto, reverenciando o amor que sente por outro alguém: "te amo", "te quero", "te desejo". Quem? Não se sabe.

Perguntas não faltam. Será um pedido de desculpas? Uma despedida? Um namoro ainda no início? Será um homem ou uma mulher? Ninguém sabe quem é o misterioso personagem e cada um tem uma versão para a história. "Não é coisa de gente daqui. Aqui só tem velho", comentou uma das moradoras, como se amor tivesse idade. Outros confessam nem se importar, só de saber que o amor move alguém ao ponto de deixar marcadas declarações de amor no tórrido asfalto urbano, que importa isso?

Lembro-me agora de uma dessas frases que vi escrita num muro de pedra na berma da estrada no caminho para a baía das gatas, em S. Vicente, que dizia "tenho a melhor namorada do mundo". Depois alguém se lembrou de apagar aquilo e o caminho ficou mais triste. A verdade é que gosto muito destes anúncios públicos e desaforados de vultos apaixonados. Mesmo que sejam fantasmas e pouco verossímeis, o importante é que continuem a existir.


Ver notícia completa: aqui




Convém não esquecer que...




Somos todos tão frágeis, tão assustadoramente frágeis!






Sempre defendi que uma das funções das artes em geral, e do teatro em particular, é convidar à reflexão, num mundo onde cada vez se tem menos tempo para se pensar no que está acontecendo à nossa volta. Ontem vi um desses espectáculos que nos faz pensar. A companhia brasileira do Rio de Janeiro, Pedras Teatro, na peça Mangiare apresenta o tema da comida como prato principal. O público é convidado a se sentar em três grandes mesas com capacidade total de 70 pessoas. De entrada uma salada oriental é preparada e servida ao público por uma mãe e duas filhas com os seus conflitos e intimidades. O prato principal é feito por divertidas máscaras balinesas que sonham com a fortuna ao preparar um nhoque de inhame. Histórias e segredos culinários são confidenciados ao público por personagens que se sentam à mesa e o tema da compulsão é abordado com música, tragédia e humor. No final as sobremesas são oferecidas numa brincadeira de tentação e desejo. A música ao vivo que alimenta todo o espectáculo contribui para uma autêntica farra gastronómica. Pormenor importante, o público come as receitas que vão sendo "preparadas" pelas três actrizes, tudo acompanhado de um fresco e leve vinho branco. E que boa que é a comida!

Mas isso é secundário, embora não pareça. A sensação que se sai do espectáculo - muito original - é a noção do muito que perdemos todos os dias pelo facto de não nos permitirmos o tempo e a condição de comer à volta de uma mesa com as pessoas de quem mais gostamos. Mesmo na maioria das casas de família (quando as há), as pessoas comem à frente da televisão ou nunca tem horários coincidentes de emprego e escola que lhes permite comer juntas. Se comem na mesa já não conversam umas com as outras ou porque uma espécie de guerra fria já se instalou no lar ou simplesmente porque não há tempo para isso. A festa e a confraternização da refeição é revisitada uma vez por ano, por altura do Natal, e já é uma sorte. Já ninguém se senta para saborear um bom prato de comida, um bom vinho e um bom doce acompanhado, com tempo e disponibilidade, muito menos se tiver na sua própria casa. Não há tempo a perder, não é?

Meia culpa, meia culpa. Esta peça foi uma lição do que já sabia mas que de quando em quando parece que também eu esqueço: que a refeição é, tal como uma peça de teatro, um acto carregado de simbolismo e religiosidade, que uma vez respeitado torna o acto de comer numa acção amorosa e humanista. E toda a parcela de humanidade que podermos acrescentar ao nosso quotidiano é pouca para alimentar este corre-corre que é a nossa vida, e nos lembrarmos que afinal de contas estamos vivos - e bem vivos! - e prontos, se para isso tivermos disponibilidade, para apreciar e degustar as boas coisas da vida. Bom apetite!










música que casa com uma imagem que casa com um estado de espírito. Não se pode pedir mais. [Música: "Elepbant Gun" dos Beirut]





Esquece o amor, os tempos não estão para isso. Vamos mas é festejar o anúncio da abertura do aeroporto internacional do Mindelo pela 57ª vez ou o novo plano para a recuperação da réplica da Torre de Belém. Será uma festa ainda maior do que as outras cinquenta e seis anteriores e na festa não se ama. Bebe-se, dança-se, grita-se, exalta-se, conforme os locais, havendo aqueles locais de cem escudos a entrada com direito a uma garrafada ou aqueles outros de cinco contos casal com direito a bar aberto num local tão inacessível que oitenta por cento do pessoal desiste de beber seja o que for a meio caminho. Vamos lá, vai-te habituando à ideia que vem aí o Reveillon e desta vez nem o banho na praia de catxor da marginal do Mindelo te vai salvar. Esquece o amor, que a tua festa pode muito bem ser invadida por um grupo de jovens em fúria de pedras na mão prontos para quebrar carros, vidros e até cabeças, nunca se pode adivinhar o que se passa nas mentes de um gang urbano. Esquece o amor, que as doenças andam por aí e mesmo que tenham sido anunciados projectos fantásticos e irresistíveis para acabar com o lixo em todo o arquipélago, parece que já vimos este filme, mas esquece, nem penses em começar a engendrar grandes ficções que isto não é o amor em tempos de cólera, isto não é um romance, é a vida real, vai mas é tratar da tua que eu trato da minha. Até porque daqui a nada temos eleições e é importante ouvir o que o Filú tem para dizer sobre o mosquito maldito ou o que o Veiga tem a falar sobre o seu desejo altruísta de voltar a ser o bigboss do pedaço e não podemos andar distraídos com coisas menores. Esquece o amor, que os tempos não estão para isso. E se mesmo assim insistires nessa ideia peregrina, prepara-te meu caro, que o pior ainda está para chegar.